VÁRZEA FEMININA
A busca por afirmação do futebol de várzea feminino em Belo Horizonte
Os primeiros registros de partidas de futebol feminino no Brasil são datados em 1913. A partir dos anos 40, o interesse pelo futebol feminino começou a chamar a atenção da opinião pública brasileira que não via com bons olhos. Assim, o futebol feminino foi proibido, seguindo as normas do Decreto-Lei 3.199/1941, formulado pelo extinto CND (Conselho Nacional de Desportos).
O primeiro time feminino do Brasil foi criado em terras mineiras, na cidade de Araguari, em 1958. Com o objetivo de angariar fundos para salvar uma escola da falência, uma diretora procurou os dirigentes do Araguari Atlético Clube e sugeriu uma partida beneficente. Para causar impacto, esta diretora sugeriu que este jogo fosse com mulheres. Aquele combinado de garotas fez tanto sucesso que elas foram convidadas a realizar um jogo no estádio Independência, em Belo Horizonte, em 1959 vestindo as camisas de Atlético e América.
Em 1965, no auge da ditadura militar no país, a partir de artigos de médicos especialistas em medicina esportiva, o governo brasileiro instituiu uma lei através do Conselho Nacional de Desporto (CND) que, a partir da resolução número 7/65, proibiu as mulheres de praticarem lutas, futebol, pólo aquático, pólo, rugby e baseball.Os argumentos destes profissionais eram que estas práticas esportivas realizadas pelas mulheres poderiam trazer consequências traumáticas nos órgãos de reprodução feminina.
A proibição do futebol feminino é revogada pelo CND em dezembro de 1979. Antes da liberação, partidas de futebol feminino aconteciam em Belo Horizonte em jogos festivos por bravas mulheres que resistiam as proibições impostas pelo governo brasileiro.
O primeiro campeonato de futebol feminino realizado em Belo Horizonte e região aconteceu em 1981, por iniciativa do Centro Social e Urbano do Eldorado, de Contagem, e teve 9 clubes participantes.
Segundo o historiador Raphael Rajão, o torneio contou com a participação do Benfica, Panterloco, do bairro Concórdia, Ferroviária, da Pedreira Prado Lopes, Camisa 12 e Vila Olímpica, o primeiro veiculado a torcida organizada do Cruzeiro e o segundo ao clube social do Atlético, e mais três agremiações. A Camisa 12 foi o primeiro clube a vencer uma competição de futebol feminino na região metropolitana de Belo Horizonte.
Esse torneio surge em um contexto de abertura política do país e de um aumento de movimentos feministas no Brasil que reivindicam maior autonomia para as mulheres.
Surgiram modalidades femininas em alguns clubes tradicionais da várzea de Belo Horizonte: Manchester, Nacional do Carmo, Prointer, Paraíso, Tupinambás, Bahia, Santa Cruz, entre outras. Marta, meia da seleção brasileira e ex-melhor do mundo, jogou no Santa Cruz em meados de 2002.
Em 1999, no segundo ano, a Copa Centenário Wadson Lima de Futebol Amador, idealizada pela Secretaria Municipal de Esporte e Lazer (SMEL), cria a modalidade feminina da competição. O Atlético venceu o Cruzeiro na final e ficou com o título. Embora os dois times sejam profissionais, naquele contexto, estes dois clubes não possuíam times profissionais femininos. No entanto, mesmo amadoras, por conta da estrutura, estes dois clubes venceram as primeiras competições. Em 2018, foi criada a categoria Juvenil (Sub-17). Em 2022, foi criado o torneio Sub-20.
Confira as campeãs de todas as edições da modalidade feminina adulta da Copa Centenário.
Em 2007, foi a vez do Setor de Futebol Amador da Capital (SFAC) criar a Copa BH de Futebol Feminino com a participação de 8 clubes. Em 2022, o SFAC rebatiza o torneio como Campeonato SFAC Feminino. Confira as agremiações campeãs.
Mesmo com a entrada do futebol feminino no circuito de competições oficiais do futebol de várzea de Belo Horizonte, a modalidade busca se afirmar no meio historicamente dominado pelos homens onde o machismo impera. Segundo Raphael Rajão, competições da modalidade feminina em torneios de maior visibilidade, como a Copa Itatiaia e Torneio Corujão, poderiam ser instrumentos na afirmação da expressão.
Neste ano de 2022, a TV Globo Minas realizou a cobertura da Taça das Favelas em sua modalidade feminina e masculina. Além de boletins em alguns dias da semana, houve uma programação especial dentro do programa Rolê das Gerais. A “cereja do bolo” ficou por conta da exibição, ao vivo, da final feminina que aconteceu no Estádio Independência. Possivelmente foi a primeira vez que se transmitiu futebol feminino de várzea ao vivo para Belo Horizonte e região metropolitana. Vamos ver para os próximos anos se haverá continuidade. A gente torce que sim.
Em meio a estes torneios oficiosos, existem outros campeonatos organizados pelos dirigentes dos times femininos. São os casos do Torneio Integração e do Campeonato Mineiro Amador Feminino. O primeiro existe desde de 2015 e o segundo desde de 2019.
Evaristo, presidente do Prointer, e Kênia, presidente do Nacional do Carmo, estão à frente na organização desses torneios que são tão importantes quantos os torneios do circuito oficial de competições. Confira a lista de todos os campeões dos dois torneios:
Por mais de 40 anos, as mulheres foram proibidas de praticar futebol no Brasil. Por mais que hoje a prática esteja liberada no Brasil, só essas mulheres sabem o que é “correr” nos campos de várzea de Belo Horizonte e região.
