Brilho nos olhos

As partidas dos campeonatos oficiais foram canceladas em apoio ao árbitro Farllen Júlio, agredido em uma partida de futebol de várzea na cidade de Betim.

Por Fábio Marcelino

Na última segunda-feira (26), uma triste cena marcou a semifinal da Copa Vagalume Categoria Feminina, no campo do Vianópolis, em Betim. O árbitro Farllen Júlio foi brutalmente agredido por uma pessoa, ainda não identificada, que acompanhava a partida entre Marimbá e Marquense. Farley está internado no Hospital Regional de Betim, sofrendo com três vértebras, um dedo e o nariz fraturados.

Em resposta a esse ato de violência, o Sindicato dos Árbitros de Minas Gerais emitiu uma nota de repúdio e suspendeu a designação de árbitros para todos os campeonatos oficiais. Como consequência, as rodadas da Copa Centenário, SFAC Série C, e diversas outras competições em Nova Lima, Betim, Contagem, Vespasiano, São José da Lapa, entre outras, estão temporariamente paralisadas.

Na marca da cal

A jornada de um árbitro até os jogos profissionais passa, inevitavelmente, pelos campos da várzea. É nesse cenário que eles ganham experiência, amadurecem e se preparam para os desafios maiores do futebol profissional.

Em 2020, finalizei o documentário Na Marca da Cal. O filme mostra um pouco da realidade dos árbitros que apitam partidas do futebol de várzea em Belo Horizonte e região metropolitana.

Reflexão: Experiência, Internet e Apatia pelo Outro

Duas semanas atrás, encontrei Farllen em Nova Lima. Ele estava radiante, com os olhos brilhando de entusiasmo, falando sobre a sequência de jogos que apitaria em várias cidades. Era visível sua paixão e dedicação pelo ato de apitar jogos.

Ontem (29), no entanto, fui confrontado com uma realidade dolorosa: um vídeo de Farley, deitado em uma maca de hospital, visivelmente abalado, tentando falar sobre a violência contra os árbitros. Ver esse vídeo circulando nas redes sociais me trouxe uma profunda reflexão.

Compartilhar o sofrimento de alguém, especialmente em um momento de vulnerabilidade, muitas vezes faz mais mal do que bem. Em vez de mobilizar ações concretas, pode deixar as pessoas inertes, meras espectadoras de uma tragédia. A violência contra a arbitragem é um problema grave e recorrente, e é preciso mais do que vídeos e compartilhamentos para enfrentá-la.

A decisão de paralisar os campeonatos pode ser vista como uma medida paliativa, um gesto de repúdio, mas é insuficiente para resolver a raiz do problema. A verdadeira mudança só virá com um esforço conjunto de todos os envolvidos para criar um ambiente seguro e respeitoso no futebol.

Infelizmente, a sociedade tem se tornado cada vez mais indiferente à dor do outro, especialmente quando essa dor é consumida à distância, através de telas. A violência se tornou um espetáculo, e o sofrimento alheio, um entretenimento. Essa desumanização nos afasta da empatia necessária para promover mudanças reais.

Paz e otimismo

A violência está presente em todo o mundo, mas é preciso questionar por que tentamos eliminá-la em alguns lugares e a incentivamos em outros. Se continuarmos a assistir passivamente ao sofrimento dos outros, sem nos envolvermos ativamente para mudar a realidade, estaremos perdidos. Pois sem o outro, estamos perdidos.

Desejo que Farllen se recupere plenamente, tanto física quanto emocionalmente, e que ele mantenha vivo o seu sonho de continuar apitando. Espero que, quando nos encontrarmos novamente, ele tenha ainda aquele brilho nos olhos e os mesmos planos otimistas para o futuro.